Um ucraniano acusado de ter matado um russo à facada em Viseu, em 2002, disse hoje, em tribunal, que não se entregou às autoridades policiais porque teve medo de ser apanhado por elementos de máfias de imigração ilegal.
Há uma semana, acompanhado de uma tradutora e perante um tribunal de júri, o ucraniano Sergiy Uvarov confessou o crime, mas não a intenção de o cometer, argumentando que esfaqueou o russo David Iliutchenko quando o empurrava para o tentar afastar.
Sergiy Uvarov está acusado de um crime de homicídio, de que foi vítima o russo David Iliutchenko, apontado como elo de ligação entre máfias de imigração ilegal. Está também acusado de dois crimes de homicídio na forma tentada, por alegadamente ter ferido os ucranianos Valeriy Bigvava e Igor Garcucha.
O arguido continuou a ser ouvido hoje de manhã no Tribunal de Viseu e contou que só suspeitou que David Iliutchenko tinha morrido dois dias após os factos, quando andava fugido, cheio de fome e de sede, sem dinheiro e à procura de trabalho.
Segundo Sergiy Uvarov, nesse dia encontrou dois ucranianos aos quais perguntou se tinham trabalho, porque precisava de dinheiro para comer, e que eles comentaram que há “dois ou três dias tinha havido uma briga”, que tinha morrido um homem e que andavam à procura de quem o matou para se vingarem.
Apesar de não terem dito nomes, Sergiy Uvarov pensou que poderiam estar a referir-se a ele, acrescentou.
Quando um dos juízes lhe perguntou o motivo de não ter ido à polícia contar a sua versão, o arguido respondeu que, por um lado, não tinha a certeza se a situação a que se referiram os ucranianos era aquela que tinha vivido e, por outro, porque “estava com medo que os da máfia, os amigos dele [David Iliutchenko]”, fossem à sua procura.
Sergiy Uvarov garantiu que, só 20 anos depois, teve a certeza de que David Iliutchenko morreu, quando, ao tentar fugir da guerra na Ucrânia para se ir encontrar com a família em Itália, foi detido na Polónia.
Hoje, foi ouvida a mãe de David Iliutchenko, que vive em Portugal há 22 anos e cujo depoimento ficou marcado por contradições e lapsos de memória, o que levou a que fosse confrontada com as declarações que prestou perante as autoridades policiais na noite a seguir aos factos.
O tribunal admitiu que, mais de 20 anos depois dos factos e atendendo ao choque sofrido pela morte do filho (que obrigou a tratamento psiquiátrico), era normal a mulher ter falhas de memória, mas não a ponto de não se lembrar de praticamente nada do que disse naquele dia.
Segundo Sergiy, a morte de David Iliutchenko ocorreu no dia seguinte ao russo ter dado indicações para que ele, Boris Nikandrov e Roman Lysenko esperassem numa paragem de autocarro por uma pessoa de uma empresa de construção que lhes iria dar trabalho e alojamento.
Como não aparecia ninguém, ele e Boris telefonaram para David, que inicialmente lhes ia dizendo para esperarem e depois desligou o telemóvel. Os três acabaram por passar a noite junto ao cemitério, “sem dinheiro, sem água e sem comida”, e só na manhã seguinte conseguiram regressar a casa de autocarro, acrescentou.
De acordo com Sergiy, Boris terá sido espancado porque confrontou David com o facto de eles os três lhe terem pago dinheiro para ele lhes arranjar trabalho e não ter cumprido o acordado. Posteriormente, David também lhe bateu quando procurava o telemóvel para pedir ajuda para o amigo.
Sergiy, que na altura tinha 24 anos, disse que pagou 300 euros a “uma agência turística” da Ucrânia e depois mais 480 euros a David, que seria a pessoa encarregada de resolver “todas as questões” em Portugal. Do dinheiro que trouxe para Portugal, ficou apenas com cerca de 50 euros.