O controlo da inflação e os aumentos salariais não são atualmente antagónicos, desde que as subidas sejam feitas com prudência, segundo os economistas consultados pela Lusa.
Os bancos centrais têm alertado para o impacto dos aumentos salariais na inflação, cujo controlo tem dominado a atenção dos decisores nos últimos meses, argumentando que subidas demasiado expressivas podem obrigar a uma política monetária ainda mais restritiva.
Contudo, os economistas consultados pela Lusa consideram natural que existam ajustamentos salariais.
“A afirmação de alguns bancos centrais compreende-se desde que isso não signifique a anulação dos efeitos que a política monetária tem trazido ao controlo da inflação. Mas não é possível evitar que os salários se ajustem”, assinala o economista e presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), João Duque.
O economista destaca que “caso contrário a acomodação seria totalmente feita por via dos salários o que é socialmente insustentável, mesmo que a descida da inflação seja mais prolongada no tempo”.
João Duque salienta que há salários de vários tipos, desde os que remuneram o trabalho especializado aos que remuneram o trabalho não especializado.
“Se por um lado o trabalho não qualificado pode ser relativamente penalizado porque não tem margem de negociação pela facilidade com que se encontram alternativas, o mercado de trabalho dos qualificados não vai acompanhar os pedidos dos bancos centrais desde que a procura por produtos mais sofisticados e de valor acrescentado elevado se mantenha”, argumenta.
Por sua vez, o economista e professor da Nova SBE Pedro Brinca dá nota de que a ideia da espiral inflacionista é que a subida dos salários leva a um aumento dos custos de produção, que por sua vez leva a um aumento dos preços e inflação, fazendo com que as reivindicações salariais sejam ainda maiores.
“Não obstante, na zona euro, os salários ainda estão a crescer abaixo da inflação subjacente (ao contrário de Portugal) pelo que não existe grande evidencia de tal espiral, até porque um dos componentes importantes deste mecanismo, as expectativas, parecem estar ancoradas ao objetivo de 2% no médio prazo”, refere.
Neste sentido, considera que pode haver alguma margem para subir salários desde que com prudência, tendo principalmente em atenção a produtividade do trabalho.
Já o economista e professor da Universidade de Coimbra José Reis defende que o apelo dos bancos centrais se traduz numa quebra do “escasso poder de negociação que os trabalhadores conservam e de garantir a acumulação à custa dos salários”.
“Numa economia como a nossa, uma boa parte da inflação ou é importada ou resulta de aumentos de lucros extraordinários. Os aumentos salariais devem repor o que a inflação retirou ao salário real, somar-lhe os ganhos de produtividade e incluir um objetivo político de recuperação do peso dos salários no Produto Interno Bruto (PIB), que tem diminuído”, aponta.
Segundo o economista, “em Portugal, o objetivo de, no curto prazo, levar a que este indicador seja semelhante à da média da UE é aceitável. Isso consta do acordo de rendimentos que foi estabelecido, mas não parece nada claro que esteja a realizar-se ou vá realizar-se”.
O governador do Banco de Portugal defendeu, numa análise publicada no início de dezembro, que as políticas monetárias e fiscais devem reconhecer os desafios do mercado de trabalho, reconhecendo que a procura de trabalho é uma “procura derivada” da atividade económica”.
Segundo Mário Centeno, “preservar os investimentos e as aspirações dos trabalhadores é incompatível com um aperto mais do que o necessário”.
O responsável do banco central português defende que “a prudência deverá orientar os aumentos salariais”, considerando que devem ser impulsionados por ganhos de produtividade, como observado nos últimos 35 anos.
A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, num discurso no Parlamento Europeu em novembro, destacou que a inflação era agora ser impulsionada mais por fontes internas do que por fontes externas.
“As pressões salariais, entretanto, permanecem fortes. A nossa avaliação atual é que isto reflete principalmente efeitos de ‘recuperação’ relacionados com a inflação passada, e não uma dinâmica auto-realizável. E esperamos que os salários continuem a ser um factor-chave que impulsiona a inflação interna”, disse.