A Câmara de Coimbra considera a alta velocidade uma obra estratégica que deve avançar rapidamente, mesmo que tenha alguns impactos negativos no concelho, como é o caso da Quinta das Cunhas, localidade que pode desaparecer.
Quando Estrela Dias, de 70 anos, soube que a sua casa poderia ir abaixo com a alta velocidade, no verão de 2023, teve “um ataque de coração” e teve de ir ao hospital.
Desde então, a habitante da Quinta das Cunhas, que viveu sempre naquela localidade junto à fronteira do concelho de Coimbra com o de Condeixa-a-Nova, tem precisado de medicação para dormir à noite, face à possibilidade de quase toda a localidade, com cerca de uma dezena de habitações e uma população de 15 a 20 pessoas, poder desaparecer.
“A casa é reles, mas, mesmo reles, fui eu que a fiz, mais o meu marido. Agora, ao fim de tanto tempo, e a vida cara, a gente vai ficar sem casa?”, disse à agência Lusa Estrela Dias.
O projeto da alta velocidade, cujo traçado em Coimbra, na zona sul, não acolheu a opção defendida pelo município, prevê a possibilidade de demolição de cerca de 60 habitações no concelho.
“Em todos os concelhos atravessados pela alta velocidade vai haver pessoas afetadas e isso é inevitável. O que é necessário é garantir que essa afetação seja mínima e que as pessoas sejam devidamente recompensadas para poderem retomar as suas vidas no local o mais próximo possível de onde viviam com as mesmas ou até melhores condições do que as que tinham”, afirmou à Lusa o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, eleito pela coligação Juntos Somos Coimbra (liderada pelo PSD).
Face à possibilidade de demolições, o município criou um gabinete de apoio para acompanhar essas situações, tendo já recebido três munícipes.
No entanto, para o autarca, os efeitos positivos deste investimento para o concelho superam, em larga medida, os seus impactos negativos.
A alta velocidade, para José Manuel Silva, é um investimento fundamental para Coimbra e tem de avançar “no mais curto espaço de tempo”.
Este investimento já “vem a ser discutido há muitos anos e é essencial para Portugal avançar rapidamente com este projeto e, para Coimbra, é de uma importância estratégica”, vincou.
O autarca recordou que a alta velocidade aproxima Coimbra “de dois aeroportos”, que passam a servir a cidade de “forma direta, com os mesmos tempos que acontecem em praticamente todas as cidades da Europa”.
Para além de um aproximar ao Porto e a Lisboa, o projeto prevê também a construção de uma estação intermodal em Coimbra-B.
Para além dos impactos positivos associados à própria alta velocidade, a região poderá vir a ganhar com o descongestionamento da Linha do Norte, que será duplicada na chegada a Coimbra, notou à Lusa o presidente da Câmara da Mealhada, António Jorge Franco (eleito por um movimento de cidadãos).
Naquele concelho, foi escolhida a opção que menos impactos trará e, mesmo com alguns prejuízos sobretudo em zonas de vinha, o município salienta que os benefícios suplantam os impactos negativos.
“A nossa ligação a Coimbra tem de ser através da ferrovia. […] É fundamental a libertação deste corredor para a Linha do Norte ser uma linha mais urbana”, salientou.
Ainda sem projeto de execução, na Quinta das Cunhas a população agarra-se à esperança de que possa vir a ser evitada a demolição das casas.
O presidente da União de Freguesias do Ameal, Taveiro e Arzila, Jorge Mendes (CDU), salienta essa mesma esperança de que o projeto possa ser revisto, uma vez que aquela localidade “está rodeada de floresta e um desvio de 100 ou 200 metros deixaria de passar por cima das casas”.
“Temos a convicção de que isso vá acontecer”, notou, recordando que as reuniões preparatórias com a Câmara de Coimbra e Infraestruturas de Portugal também apontam para essa possibilidade, em fase de projeto de execução.
Manuel Vaz, que nasceu e morou praticamente a vida toda na Quinta das Cunhas, também se agarra às palavras dos técnicos da Infraestruturas de Portugal que lhe asseguraram que poderia ser possível evitar as demolições.
Entre dúvidas, o habitante pede, ao menos, que se avance com o projeto.
“Eu tenho 63 anos. Se é para arrancar e é por aqui, então que se arranque o mais rápido possível. Se é para parar e daqui a dez anos voltar-se ao mesmo, terei muito mais dificuldades. É uma obra pública que até é útil para o país. Se é para passar, que passe agora”, vinca.
Para Manuel Vaz, sobretudo mói-lhe um certo impasse, que parece agora desfeito depois da luz verde do PSD dada no Parlamento para que o Governo avance com o concurso.
“Eu comprei tintas para umas divisões em que fiz obras recentes, e essas divisões estão por pintar e tenho as tintas e não tenho a coragem para fazer nada. Não me deu vontade para fazer. Vou fazer para amanhã estragar? Não vale a pena. Portanto, para ser, que seja agora, mas que haja a hipótese – e acho que há – de virar a página [e mudar o traçado]”, afirmou.