Por Nuno Soares – TVC / Notícias de Anadia
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A chegada de Jorge Sampaio à presidência da Câmara Municipal de Anadia marca o início de uma transformação ambiciosa no coração da Região Centro. Depois de seis mandatos como vereador, o recém-eleito presidente assume agora a liderança com uma visão madura, profundamente analisada e estrategicamente pensada para posicionar o concelho num patamar superior. Na grande entrevista concedida à TVC e ao Notícias de Anadia, Sampaio expôs um plano de desenvolvimento raro na política autárquica portuguesa: organizado, estruturado e assente em metas mensuráveis.
Desde o arranque da conversa, o autarca deixou claro que o propósito do seu mandato não se limita a obras avulsas ou à manutenção da máquina municipal. Quer uma autarquia que pense o território como um organismo vivo, que gera atratividade, fixa pessoas, cria condições de vida, estimula a economia e se afirma como destino turístico e académico. A sua síntese do que deve ser a missão pública municipal é desarmante pela simplicidade e profundidade: “A missão de uma Câmara resume-se a duas dimensões: atrair pessoas e garantir qualidade de vida.” Neste ponto, Sampaio introduz uma inversão conceptual: as câmaras não existem apenas para gerir, mas para competir — por população, por talento, por investimento e por visitantes.
O presidente reconhece a imperfeição das políticas públicas: “Nunca fazemos tudo o que queremos, mas temos a obrigação permanente de fazer melhor.” Esta ideia acompanha toda a entrevista e funciona como fio condutor de uma visão moderna da governação: o imperfeito que avança, que se avalia e que se corrige; o planeamento que não paralisa, mas inspira; a ambição que não se dilui com o tempo.
Turismo como Indústria Estratégica e Motor Económico
Quando Sampaio analisa o turismo, fá-lo com sentido económico e visão global. Anadia tem, nas suas palavras, “a fortuna estratégica de pertencer simultaneamente à Bairrada e à Região Centro”, duas marcas fortes e interoperáveis que permitem aumentar escala e diferenciação. Escala é, aliás, um dos conceitos mais repetidos pelo presidente: sem ela, o território pode ser bonito e interessante, mas não competitivo.
O enoturismo, fortalecido pela marca Bairrada, é identificado como o primeiro pilar estratégico. Para o presidente, o vinho não é apenas um produto, mas um sistema integrado que mobiliza gastronomia, hotelaria, restauração, cultura, identidade e experiência. A aposta é clara: consolidar esse sistema e aprofundá-lo.
A segunda grande dimensão turística é o termalismo. Anadia tem duas estâncias termais — Curia e Vale da Mó — uma raridade nacional. A Curia, privada, continuará a ser promovida em conjunto com os operadores locais. Já Vale da Mó será alvo de um investimento profundo com a criação de um novo balneário, novas valências clínicas e uma reestruturação que pretende colocar o concelho na rota do termalismo moderno, focado não apenas na cura, mas também no bem-estar, na prevenção e na saúde mental. Com águas ricas em ferro e magnésio, únicas no país, Vale da Mó tem potencial para captar nichos de mercado internacionais altamente valorizados.
O terceiro eixo é o turismo desportivo, talvez o maior trunfo competitivo do concelho. O Centro de Alto Rendimento de Sangalhos recebe anualmente delegações de mais de 60 países, atraindo equipas olímpicas, federações internacionais e atletas de elite. Num investimento em parceria com o Comité Olímpico, a autarquia avançará com uma requalificação profunda que reforça o estatuto de Anadia como um dos principais destinos mundiais de treino e preparação. Poucos municípios portugueses têm uma marca desportiva tão sólida e reconhecida.
Sampaio acrescenta ainda o turismo de natureza: lagoas, percursos pedestres, cursos de água, espaços verdes. Nesta frente, a estratégia passa por ativar recursos que existem, mas ainda não foram plenamente integrados na oferta turística formal.
A hospitalidade, porém, é apresentada como a verdadeira marca distintiva do concelho. “Somos um povo que gosta de receber”, afirma o autarca, sublinhando que essa característica humana funciona como vantagem competitiva num mercado cada vez mais sensível à experiência do visitante.

Economia e Emprego: Subir o Valor do Trabalho para Elevar o Território
Sampaio não evita o que outros evitariam. Assume que Anadia vive hoje um paradoxo: tem uma taxa de desemprego muito baixa, mas o valor do trabalho ainda é reduzido face ao potencial. Este diagnóstico revela um olhar económico fino e incomum na política local: entender que a verdadeira medida de um território não está apenas na criação de emprego, mas na qualidade e remuneração desse emprego.
A estratégia definida assenta em vários eixos convergentes. O primeiro é a requalificação industrial. O concelho modernizou nos últimos anos as suas zonas industriais e quer continuar esse processo, criando áreas bem preparadas para atrair empresas intensivas em valor, tecnologia e inovação.
O segundo é a identificação de setores prioritários: cerâmica, duas rodas, vitivinicultura, turismo, restauração e tecnologia. Esta diversificação não é dispersão: é a construção de um ecossistema económico coerente, equilibrado entre tradição e inovação.
O terceiro eixo é um pacote de incentivos às empresas que inclui isenções de derrama para pequenos negócios, programas de apoio ao primeiro emprego, estágios financiados integralmente pela Câmara Municipal e mecanismos de incentivo à contratação de licenciados. Mas a medida mais inovadora é a criação de bolsas de doutoramento, financiadas pelo município, em áreas definidas em articulação com o tecido empresarial local. Esta ligação direta entre ciência e território é rara em Portugal e revela uma estratégia que aposta na qualificação produtiva e na inovação como motores de desenvolvimento.
Ensino Superior: O Projeto Político Mais Firmemente Arrojado
Entre as ambições apresentadas por Jorge Sampaio, nenhuma é tão disruptiva como a intenção de transformar Anadia, no prazo de uma década, num polo de ensino superior. O autarca mostra uma visão de longo alcance num país onde as políticas autárquicas são frequentemente dominadas pela urgência do quotidiano.
A estratégia para alcançar esse objetivo já está em marcha e assenta em três pilares. O primeiro é a oferta educativa, que já começou com um protocolo firmado com o Politécnico de Coimbra e com o lançamento dos primeiros programas de formação em Anadia. Estão igualmente em curso contactos com as universidades de Coimbra e Aveiro para ampliar a rede de parcerias.
O segundo pilar é o alojamento estudantil, necessidade fundamental para qualquer polo académico. A Câmara recuperou, com financiamento do PRR, um edifício devoluto e transformou-o numa residência com mais de cinquenta camas. Inicialmente criticada — fruto da falta de informação pública sobre as negociações com instituições de ensino superior — a residência revela hoje a sua importância estratégica.
O terceiro pilar é a mobilidade. Anadia encontra-se a menos de vinte minutos de comboio de Aveiro e Coimbra, uma localização de excelência para estudantes e docentes. A autarquia trabalha com a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro e com a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra para reforçar e integrar soluções de transporte dedicadas.
Esta visão não é utópica; é progressiva, realista e faseada, com consciência da competição feroz entre territórios pela instalação de cursos e instituições. A ambição não reside na rapidez, mas na persistência.
O Nó da EN1 e a Batalha Contra a Inércia do Estado
A antiga escola junto à EN1, degradada e abandonada, é um dos símbolos do desinvestimento estatal em infraestruturas que pertencem à administração central. Sampaio assume que o estado do edifício lhe causa “uma dor enorme”, não só pela degradação urbana, mas por se situar na entrada da cidade. O imóvel, propriedade do Estado, tem dificultado intervenções diretas, mas a autarquia está há mais de um ano a negociar uma solução definitiva. O presidente garante que existem projetos para o espaço e que a sua apresentação pública está próxima.
Esta revelação expõe um problema de matriz nacional: a dificuldade que os municípios enfrentam quando dependem da burocracia central para resolver problemas visíveis e urgentes.

Trabalhar em Rede: A Inteligência Territorial como Estratégia de Futuro
Uma mensagem transversal à entrevista é a defesa de que o território não existe sozinho. Sampaio insiste que o turista não distingue fronteiras administrativas: “Não quer saber onde acaba Anadia e começa Oliveira do Bairro ou a Mealhada.” Esta consciência, cada vez mais importante no planeamento turístico e económico, levou o presidente a criar redes de cooperação com municípios vizinhos da Bairrada, da Região de Aveiro e até do Dão-Lafões.
Esta lógica colaborativa potencia a oferta, amplia o alcance e coloca Anadia num contexto territorial muito mais competitivo.
A Visão de Fundo: Uma Anadia com Rumo, Estrutura e Ambição
A entrevista revela um presidente focado, analítico e estrategicamente sólido. Sampaio não se limita a reagir ao presente; pensa o território para daqui a cinco, dez e vinte anos. A sua visão integra turismo, economia, ensino superior, conhecimento, bem-estar, mobilidade e cooperação intermunicipal num mesmo mapa de desenvolvimento.
Num panorama autárquico onde muitas câmaras lutam por estancar perdas de população e combater estagnações económicas, Anadia apresenta-se como um território com projeto, com prioridades claras e com ambição assumida.
A convicção com que Jorge Sampaio afirma que “há muito para fazer e temos vontade de o fazer” não soa a frase política. Soa a estratégia. E, acima de tudo, soa a futuro.